quarta-feira, 13 de julho de 2011

TESTEMUNHAR A FÉ VIVA EM PUREZA E UNIDADE

CONFERÊNCIANACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL
Documento Aprovado pela Comissão Representativa da CNBB
em sua reunião, 6 a 13 de novembro de 1973













INTRODUÇÃO
1. Sentimos, hoje, quão profundamente as transformações, por que passa a cultura contemporânea afetam a consciência cristã.
O mundo em que vivemos abandona categorias que foram válidas durante séculos ou milênios, e faz surgir uma nova visão do universo e do próprio homem e, por isso, fala uma outra linguagem. Tal evolução se acelera vertiginosamente. Não se trata apenas de uma nova fase dentro de uma evolução contínua e linear. Trata-se do fato de que o homem adquiriu uma relação nova com o cosmos; começa a assumir, como nunca se dera antes, o papel de dominador do mundo e da sua própria existência. Ao mesmo tempo, o homem moderno, de maneira inédita, parece perder, por detrás de uma gigantesca unidade organizatória e funcional, a unidade intrínseca do seu mundo. As ciências se emancipam do domínio da filosofia. Surgem diversas imagens do homem, a da sociologia, da psicologia, a da medicina e da biologia. A filosofia mesma se transforma, de uma visão mais estática e essencialista, para uma nova, mais histórica e existencial.
Na realidade, embora a Igreja não se desinteresse das culturas do passado, sua missão é salvar o homem, comprometido com a busca e criação do seu próprio futuro. Seja qual for sua cultura, sua cosmovisão, seu nível de evolução, sua linguagem, todo homem é chamado por Cristo a uma vida nova.
Ante o impacto de tão radicais transformações, o povo cristão sente-se muitas vezes envolvido por um clima de insegurança religiosa e deseja encontrar a orientação certa pela qual pautar a sua vida. Enquanto alguns se voltam com nostalgia para um passado de serenas e definitivas certezas, outros olham para o futuro como um desafio a improvisar novas respostas às situações com as quais se defrontam .
Neste grave momento histórico, a voz dos pastores não pode deixar de se fazer ouvir. Para a linguagem e para a compreensão do homem de hoje, com seus problemas e sofrimentos, é que os pastores de hoje devem traduzir a Verdade inalterável.
As perplexidades que pesam sobre a consciência cristã não podem ser superadas exclusivamente pela apresentação de fórmulas feitas. O Povo de Deus não deve esperar de seus pastores, a cada momento, soluções pré-fabricadas para dirimir todas as dúvidas que o assaltam. Ele precisa, antes, amadurecer de tal maneira na fé que, assumindo-a com fidelidade, possa enfrentar com firmeza crítica seus questionamentos.

2. Para corresponder a esse intento, o presente documento, sem pretender simplificar a complexidade dos problemas, nem abordá-los todos, visa a oferecer a devida orientação doutrinária a todos quantos têm responsabilidade no ministério da Palavra, junto ao Povo de Deus. A estes convidamos a uma reflexão profunda, numa atitude de abertura às exigências da fé e da missão. Pretendemos, com este texto, oferecer um serviço a todas as Igrejas: aos Bispos com os seus presbitérios, aos Institutos de teologia com os que neles estudam e pesquisam, às equipes dirigentes dos movimentos apostólicos e aos agentes de pastoral com os seus grupos. Que todos os membros de nossas comunidades se beneficiem de um novo clima de fé e encontrem apoio e esclarecimento em suas interrogações.
I. A FÉ COMO DOM DIVINO
1. A fé é um dom
"Ninguém pode vir a mim, se isso não lhe for dado por meu Pai" (Jo 6,65).
3. No ato da verdadeira fé não só cremos verdades "sobre" Deus, mas cremos o próprio Deus. O ato de fé, sendo busca de Deus e obediência a Ele, também na resposta do homem, primordialmente, é dom da graça que nos salva (cf. Rm 8,16-18; Jo 3,11 ss.31-36). O Senhor da nossa fé é o Cristo Ressuscitado; sem o Espírito Santo, seu dom pascal, ninguém pode crer (1Cor 12,3; cf. At 11,21ss), o Senhor ajudou para que cressem (cf. At 16,14). Por isso, a fé e dom do insondável amor redentor de Deus. Seu primeiro fruto é a entrega confiante na oração daquele que se manifestou poderoso na Páscoa do Cristo (cf. At 9,11). A fé é fundamentalmente configuração à Páscoa do Cristo. Por isso, a fé cristã é o paradoxo de uma aceitação alegre da existência e o "sim" à morte que nos conduzirá à plenitude do amor de Deus.
2. O dom da fé é confiado a toda a Igreja
"À Igreja inteira é prometida a infalibilidade" (LG 25c).
4. É na Igreja toda que habita esta fé. É a Igreja toda que dá o seu assentimento aos atos do Magistério, não exclusivamente por uma submissão obediente dos fiéis aos pastores, mas fundamentalmente pela "ação do Espírito Santo" (cf. LG 25b).
O Cristo exerce sua ação profética "não apenas pela hierarquia, que ensina em seu nome e em seu poder, mas também através dos leigos" porque "Cristo os muniu com o senso da fé e com a graça da Palavra" (LG 35a; 34b; DV 10a).
O legado da fé é confiado à Igreja inteira, guardado na fiel Tradição, "mediante o senso sobrenatural da fé, presente em todo o povo" (LG 12a), garantido pelo Espírito Santo, que nunca deixará a Igreja apostatar de seu Fundador.

É a este legado que o Magistério está vinculado e ao qual se deve referir em suas decisões, o que não significa que estas recebam seu valor do consentimento do povo. "Sob a assistência do Espírito, cresce com efeito a compreensão tanto das realidades como das palavras transmitidas, seja pela contemplação e estudo dos que crêem, os quais as meditam em seu coração..., seja pela íntima compreensão que experimentam das coisas espirituais, seja pela pregação daqueles que, com a sucessão do episcopado, receberam o carisma seguro da Verdade" (DV 8b). Assim, o crescimento na Verdade é processo vital da Igreja toda.
3. O dom da fé é vida
"Aquele que não está na Verdade, ou aquele em quem não está a Verdade, já está morto" (cf. 1Jo 2.4: 2Ts 2.10-12).

5. A Verdade ensinada na Igreja não é apenas uma doutrina religiosa. A Verdade é o próprio Cristo, a vida nova do mundo, cuja Páscoa gloriosa é o cerne de todas as verdades. Ele é o princípio divinamente vital, que deve permanecer na Igreja (Gl 2,5; 2Cor 11 ,10).
Quando falamos da Verdade revelada, do Magistério da Igreja e de todos os que servem à Verdade, nunca nos referimos apenas a uma fórmula doutrinária, ou a uma autoridade eclesiástica humana, mas sempre temos consciência de que, através de todas as verdades e doutrinas, é a própria Verdade do Cristo que se revela (1Jo 5,6).
O Evangelho não permaneceria vivo pela simples repetição de palavras e fórmulas. Ele permanece vivo através da fé sempre nova de quem o prega e de quem o recebe. Tornar-se-ia um mero documento de uma história remota e deixaria de ser o Evangelho salvífico de hoje e de amanhã, se não fosse apelo total ao homem concreto de cada época e se não convertesse os homens dentro de situações de vida sempre renovadas.
Como vida de Deus em nós, ele transcende todas as fórmulas. Nenhuma palavra, nem a letra da Bíblia, nem os dogmas exaurem a plenitude de vida que o Espírito comunicou à sua Igreja. O Evangelho não é, pois, um documento petrificado no passado, mas "se conserva vivo na Igreja, confiado, em primeiro lugar, aos Bispos, sucessores dos Apóstolos" (DV 7b; CD 12; LG 25a).
Como dom vivo de Deus à sua Igreja, ninguém, se pode considerar senhor e dominador da fé (2Cor 1,24). O próprio Magistério não está acima da Palavra de Deus, mas a seu serviço (DV 10b).
4. O crescimento do dom da fé
"Eu plantei, Apolo regou, mas foi Deus quem fez crescer" (1 Cor 3,6).
6. Como vida, a fé é destinada a crescer na Igreja e esse crescimento não é apenas a soma ou o resultado dos incrementos e progressos que ela atinge em cada um de nós. É na Igreja toda que ela amadurece. É a Igreja toda que tende a possuir da fé uma visão sempre mais rica e sempre mais clara do que tinham as gerações passadas. É, por exemplo, certo que do mistério admirável da Imaculada Virgem Mãe de Deus, a Igreja de hoje possui uma compreensão mais explícita do que a Igreja de séculos anteriores. "A Igreja, no decorrer dos séculos, tende continuamente para a plenitude da Verdade divina, até que se cumpram nela as palavras de Deus" (DV 8). É nesta vida mais rica da fé que a Igreja de hoje encontra a força para enfrentar situações muito mais complexas do que as que enfrentou no passado, em meio a um mundo cada vez mais pluralista e mais consciente da sua autonomia (GS 36).

7. Um dos meios pelo qual o Espírito garante este permanente crescimento na fé é a diversidade dos carismas que Ele suscita na Igreja, para o desempenho das diversas funções reclamadas por esse crescimento. É o próprio Cristo que dá o seu Espírito a todos e a cada um, como lhe apraz, numa rica diversidade de carismas e tarefas. É ele quem dirige a Igreja nos seus membros e nos seus pastores, não eliminando, mas afirmando os dons específicos de cada um. "O conjunto dos fiéis, ungidos que são pela unção do Espírito Santo, não pode enganar-se no ato de fé... Por este senso da fé, excitado e sustentado pelo Espírito da Verdade, o Povo de Deus, sob a direção do sagrado Magistério, a quem fielmente respeita, já não recebe a Palavra de homens, mas verdadeiramente a Palavra de Deus" (LG 12a). Assim a Páscoa do Senhor opera, em todos, os múltiplos dons necessários para a Igreja toda. Os pastores, crendo no único Pastor Supremo, servem, com autoridade, a este povo guiado pela graça do Espírito Santo.
E certo, contudo, como já se vê nas atitudes concretas dos Apóstolos com relação aos diversos carismas, que os pastores são, entre todos, o princípio visível da unidade (1Cor 14,39; 2Cor 5,20; Gl 1,6-10). " Nem todos são pastores, nem todos são profetas ou doutores" (1Cor 12,28), mas todos se completam e concorrem para que a vida da fé cresça na Igreja inteira.

8. A garantia desse crescimento encontra-se fundamentalmente na unidade e comunhão com toda a Igreja. Esta unidade é sempre o argumento eminente da próprio Verdade (Jo 17,21). Jamais se terá a garantia da fé verdadeira senão dentro dessa união fraterna de toda a Igreja. Como dom do seu amor, o Cristo deu à Igreja os ministros, por cujo empenho o povo santo é visivelmente unificado. Através deles e por sua Palavra, Deus opera o mistério da reconciliação. Eles, num sentido específico e inconfundível, desempenham o encargo, em nome de Cristo, e são seus embaixadores (2Cor 5,18-20).
OBS: Visite http://www.cnbb.org.br/site/component/docman/ e baixe este e outros documentos da CNBB. Nos próximos posts, continuaremos com outro(s) capítulo(s).