Documento Aprovado pela Comissão Representativa da CNBB
em sua reunião, 6 a 13 de novembro de 1973
INTRODUÇÃO 1. Sentimos, hoje, quão profundamente as transformações, por que passa a cultura contemporânea afetam a consciência cristã. O mundo em que vivemos abandona categorias que foram válidas durante séculos ou milênios, e faz surgir uma nova visão do universo e do próprio homem e, por isso, fala uma outra linguagem. Tal evolução se acelera vertiginosamente. Não se trata apenas de uma nova fase dentro de uma evolução contínua e linear. Trata-se do fato de que o homem adquiriu uma relação nova com o cosmos; começa a assumir, como nunca se dera antes, o papel de dominador do mundo e da sua própria existência. Ao mesmo tempo, o homem moderno, de maneira inédita, parece perder, por detrás de uma gigantesca unidade organizatória e funcional, a unidade intrínseca do seu mundo. As ciências se emancipam do domínio da filosofia. Surgem diversas imagens do homem, a da sociologia, da psicologia, a da medicina e da biologia. A filosofia mesma se transforma, de uma visão mais estática e essencialista, para uma nova, mais histórica e existencial. Na realidade, embora a Igreja não se desinteresse das culturas do passado, sua missão é salvar o homem, comprometido com a busca e criação do seu próprio futuro. Seja qual for sua cultura, sua cosmovisão, seu nível de evolução, sua linguagem, todo homem é chamado por Cristo a uma vida nova. Ante o impacto de tão radicais transformações, o povo cristão sente-se muitas vezes envolvido por um clima de insegurança religiosa e deseja encontrar a orientação certa pela qual pautar a sua vida. Enquanto alguns se voltam com nostalgia para um passado de serenas e definitivas certezas, outros olham para o futuro como um desafio a improvisar novas respostas às situações com as quais se defrontam . Neste grave momento histórico, a voz dos pastores não pode deixar de se fazer ouvir. Para a linguagem e para a compreensão do homem de hoje, com seus problemas e sofrimentos, é que os pastores de hoje devem traduzir a Verdade inalterável. As perplexidades que pesam sobre a consciência cristã não podem ser superadas exclusivamente pela apresentação de fórmulas feitas. O Povo de Deus não deve esperar de seus pastores, a cada momento, soluções pré-fabricadas para dirimir todas as dúvidas que o assaltam. Ele precisa, antes, amadurecer de tal maneira na fé que, assumindo-a com fidelidade, possa enfrentar com firmeza crítica seus questionamentos. 2. Para corresponder a esse intento, o presente documento, sem pretender simplificar a complexidade dos problemas, nem abordá-los todos, visa a oferecer a devida orientação doutrinária a todos quantos têm responsabilidade no ministério da Palavra, junto ao Povo de Deus. A estes convidamos a uma reflexão profunda, numa atitude de abertura às exigências da fé e da missão. Pretendemos, com este texto, oferecer um serviço a todas as Igrejas: aos Bispos com os seus presbitérios, aos Institutos de teologia com os que neles estudam e pesquisam, às equipes dirigentes dos movimentos apostólicos e aos agentes de pastoral com os seus grupos. Que todos os membros de nossas comunidades se beneficiem de um novo clima de fé e encontrem apoio e esclarecimento em suas interrogações. I. A FÉ COMO DOM DIVINO 1. A fé é um dom "Ninguém pode vir a mim, se isso não lhe for dado por meu Pai" (Jo 6,65). 3. No ato da verdadeira fé não só cremos verdades "sobre" Deus, mas cremos o próprio Deus. O ato de fé, sendo busca de Deus e obediência a Ele, também na resposta do homem, primordialmente, é dom da graça que nos salva (cf. Rm 8,16-18; Jo 3,11 ss.31-36). O Senhor da nossa fé é o Cristo Ressuscitado; sem o Espírito Santo, seu dom pascal, ninguém pode crer (1Cor 12,3; cf. At 11,21ss), o Senhor ajudou para que cressem (cf. At 16,14). Por isso, a fé e dom do insondável amor redentor de Deus. Seu primeiro fruto é a entrega confiante na oração daquele que se manifestou poderoso na Páscoa do Cristo (cf. At 9,11). A fé é fundamentalmente configuração à Páscoa do Cristo. Por isso, a fé cristã é o paradoxo de uma aceitação alegre da existência e o "sim" à morte que nos conduzirá à plenitude do amor de Deus. 2. O dom da fé é confiado a toda a Igreja "À Igreja inteira é prometida a infalibilidade" (LG 25c). 4. É na Igreja toda que habita esta fé. É a Igreja toda que dá o seu assentimento aos atos do Magistério, não exclusivamente por uma submissão obediente dos fiéis aos pastores, mas fundamentalmente pela "ação do Espírito Santo" (cf. LG 25b). O Cristo exerce sua ação profética "não apenas pela hierarquia, que ensina em seu nome e em seu poder, mas também através dos leigos" porque "Cristo os muniu com o senso da fé e com a graça da Palavra" (LG 35a; 34b; DV 10a). O legado da fé é confiado à Igreja inteira, guardado na fiel Tradição, "mediante o senso sobrenatural da fé, presente em todo o povo" (LG 12a), garantido pelo Espírito Santo, que nunca deixará a Igreja apostatar de seu Fundador. | É a este legado que o Magistério está vinculado e ao qual se deve referir em suas decisões, o que não significa que estas recebam seu valor do consentimento do povo. "Sob a assistência do Espírito, cresce com efeito a compreensão tanto das realidades como das palavras transmitidas, seja pela contemplação e estudo dos que crêem, os quais as meditam em seu coração..., seja pela íntima compreensão que experimentam das coisas espirituais, seja pela pregação daqueles que, com a sucessão do episcopado, receberam o carisma seguro da Verdade" (DV 8b). Assim, o crescimento na Verdade é processo vital da Igreja toda. |